Acredito ser algo muito pessoal o
motivo pelo qual alguém se dispõe a trabalhar em um navio cruzeiro; necessidade
financeira, a ilusão de conhecer países e lugares diferentes, experiência
profissional, enfim, independente da razão, ela deve ser real e justificada, se
não o individuo não suporta. Comprovadamente 80% dos brasileiros que embarcam,
não terminam seus contratos.
Os motivos que me fizeram me
demitir do meu emprego na minha área profissional, deixar para trás família,
namorada, pets, baladas, vida cultural, estudos e toda a minha zona de conforto
são meio difusos... culpa de uma mente irrequieta e hedonista sempre em busca
de coisas novas. Porém, posso afirmar que a única coisa que me fez suportar até
agora foi o filosofia de vida de nunca deixar nada inacabado e testar meus
limites e posso afirmar que transpus muitas barreiras (se fosse uma pessoa
religiosa, que passei pelo purgatório, sem sombra de dúvidas rs).
Tudo começa quando você gasta uma
média de 3000 reais para iniciar o sofrimento. Mesmo que nos cursos
introdutórios eles informem sobre os infortúnios de uma vida a bordo, você
descobre que é incrivelmente pior.
Nunca poderia imaginar trabalhar
tanto, na área de housekeeping, e por tão pouco, baseando-se nas privações.
Excelência no serviço? Ok. Pontualidade? Ok. Rapidez? Ok, Comprometimento? Ok,
Resistência? Ok, Paciência? Ok. Sou quase a profissional perfeita kkkkkk
Idiomas? Sei palavrões até em
indonesiano, cumprimentos até em búlgaro, inglês é fichinha e espanhol... vá lá
rs
Ao mesmo tempo em que é muito
interessante interagir com outras nacionalidades, pode ser desconcertante
descobrir como as pessoas são preconceituosas, limitadas e como existem países
atrasados mentalmente ou tão avançados a ponto de ser cegos quanto aos menos
favorecidos.
Já conheci muita gente ruim na
vida, mas nunca tantas concentradas em um único lugar e nunca tão impessoais.
Quando você entra em um navio,
você entra em uma espécie de regime militar, com regras pesadas e pessoas
desumanas. Você perde sua identidade, é só um maining number e perde sua
personalidade, é só um funcionário de tal setor, devidamente uniformizado, sem
nenhum resquício de que tem alguma opinião sobre qualquer outra coisa no mundo
a não ser sobre as tarefas que lhe foram impostas.
Todas as relações são
superficiais e passageiras; a rara pessoa que é sua amiga hoje, amanhã muda de
setor ou de horário e você já não consegue estabelecer o contato necessário
para interação. É o lugar mais solitário que já estive, depois do meu próprio
interior.
Ah, mas você conheceu no mínimo
dez países! Isso não é o máximo??? Sim, tenho que adminitir que jamais imaginei
conhecer o pais do Hamlet e da pequena sereia; passar por onde passaram os
vikings, visitar castelos e palácios, subir montanhas e trilhas para conhecer
as cascatas mais belas, ver neve e ir pra Rússia!
Mas acho que só conseguirei
degustar a ideia quando estiver bem distante, no conforto e na segurança da
minha São Paulo... enquanto aqui, a impressão que tenho é que sou um personagem
da Caverna do Dragão ou da História Sem Fim.
Se me perguntarem se vale a pena,
digo sem pestanejar que não, mas complemento dizendo “você faz valer a pena”.