sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Depoimento de uma tripulante

Acredito ser algo muito pessoal o motivo pelo qual alguém se dispõe a trabalhar em um navio cruzeiro; necessidade financeira, a ilusão de conhecer países e lugares diferentes, experiência profissional, enfim, independente da razão, ela deve ser real e justificada, se não o individuo não suporta. Comprovadamente 80% dos brasileiros que embarcam, não terminam seus contratos.

Os motivos que me fizeram me demitir do meu emprego na minha área profissional, deixar para trás família, namorada, pets, baladas, vida cultural, estudos e toda a minha zona de conforto são meio difusos... culpa de uma mente irrequieta e hedonista sempre em busca de coisas novas. Porém, posso afirmar que a única coisa que me fez suportar até agora foi o filosofia de vida de nunca deixar nada inacabado e testar meus limites e posso afirmar que transpus muitas barreiras (se fosse uma pessoa religiosa, que passei pelo purgatório, sem sombra de dúvidas rs).

Tudo começa quando você gasta uma média de 3000 reais para iniciar o sofrimento. Mesmo que nos cursos introdutórios eles informem sobre os infortúnios de uma vida a bordo, você descobre que é incrivelmente pior.

Nunca poderia imaginar trabalhar tanto, na área de housekeeping, e por tão pouco, baseando-se nas privações. Excelência no serviço? Ok. Pontualidade? Ok. Rapidez? Ok, Comprometimento? Ok, Resistência? Ok, Paciência? Ok. Sou quase a profissional perfeita kkkkkk

Idiomas? Sei palavrões até em indonesiano, cumprimentos até em búlgaro, inglês é fichinha e espanhol... vá lá rs

Ao mesmo tempo em que é muito interessante interagir com outras nacionalidades, pode ser desconcertante descobrir como as pessoas são preconceituosas, limitadas e como existem países atrasados mentalmente ou tão avançados a ponto de ser cegos quanto aos menos favorecidos.
Já conheci muita gente ruim na vida, mas nunca tantas concentradas em um único lugar e nunca tão impessoais.  

Quando você entra em um navio, você entra em uma espécie de regime militar, com regras pesadas e pessoas desumanas. Você perde sua identidade, é só um maining number e perde sua personalidade, é só um funcionário de tal setor, devidamente uniformizado, sem nenhum resquício de que tem alguma opinião sobre qualquer outra coisa no mundo a não ser sobre as tarefas que lhe foram impostas.

Todas as relações são superficiais e passageiras; a rara pessoa que é sua amiga hoje, amanhã muda de setor ou de horário e você já não consegue estabelecer o contato necessário para interação. É o lugar mais solitário que já estive, depois do meu próprio interior.

Ah, mas você conheceu no mínimo dez países! Isso não é o máximo??? Sim, tenho que adminitir que jamais imaginei conhecer o pais do Hamlet e da pequena sereia; passar por onde passaram os vikings, visitar castelos e palácios, subir montanhas e trilhas para conhecer as cascatas mais belas, ver neve e ir pra Rússia!

Mas acho que só conseguirei degustar a ideia quando estiver bem distante, no conforto e na segurança da minha São Paulo... enquanto aqui, a impressão que tenho é que sou um personagem da Caverna do Dragão ou da História Sem Fim.


Se me perguntarem se vale a pena, digo sem pestanejar que não, mas complemento dizendo “você faz valer a pena”.